viernes, 17 de febrero de 2017

Equador: incertezas nas eleições presidenciais

Por Decio Machado
Correio da Cidadania



Neste 19 de fe­ve­reiro, o Equador en­frenta suas pri­meiras elei­ções pre­si­den­ciais nos úl­timos 10 anos e meio sem o nome de Ra­fael Correa Del­gado na cé­dula de vo­tação. En­tender a as­censão da Ali­ança PAÍS e Ra­fael Correa ao poder im­plica com­pre­ender também suas ori­gens, com a con­for­mação deste par­tido po­lí­tico a apenas oito meses das elei­ções de 2006, onde se de­ter­minou a pri­meira das múl­ti­plas vi­tó­rias elei­to­rais cor­reístas nesta dé­cada.

An­te­ce­dentes ime­di­atos do “cor­reísmo” 

Tal como acon­tecia no resto da re­gião, no Equador se vivia desde a dé­cada de 90 um marco de ins­ta­bi­li­dade po­lí­tica, fruto de um aper­tado ciclo de le­vantes po­pu­lares e grandes mo­bi­li­za­ções que con­du­ziram três pre­si­dentes cons­ti­tu­ci­o­nal­mente eleitos à queda (Ab­dalá Bu­caram em 1997, Jamil Mahuad em 2000 e Lucio Gu­tiérrez em 2005), com o con­se­guinte des­cré­dito do re­gime de par­tidos, das ins­ti­tui­ções po­lí­ticas equa­to­ri­anas e do sis­tema econô­mico ne­o­li­beral im­plan­tado de­pois do es­touro da crise da dí­vida ex­terna de 1982. A saída da crise ad­veio da pro­gres­siva cons­trução de um mo­delo em­pre­sa­rial de de­sen­vol­vi­mento, con­so­li­dado a partir do go­verno de Sixto Durán Ballén (1992-1996) e am­pliado pelos go­vernos su­ces­sores. 

Este pe­ríodo pode ser de­fi­nido como a fase ini­cial da mo­der­ni­zação do ca­pi­ta­lismo equa­to­riano, du­rante o qual se me­lho­raram os lu­cros em­pre­sa­riais, às custas da de­te­ri­o­ração dos ser­viços pú­blicos, en­co­lhi­mento do papel e ta­manho do Es­tado, a con­cen­tração da ri­queza, a des­re­gu­lação tri­bu­tária, a pre­ca­ri­zação la­boral e, a partir da quebra fi­nan­ceira (1998-2000) e da perda da so­be­rania mo­ne­tária através da do­la­ri­zação do país, com a ex­plosão do fenô­meno mi­gra­tório equa­to­riano.

Neste con­texto no qual, entre maio e junho de 1990, to­mava forma o pri­meiro le­vante dos povos e na­ci­o­na­li­dades in­dí­genas do Equador. Suas de­mandas, de de­zes­seis pontos, tra­tavam da de­fesa e rei­vin­di­cação de seus di­reitos, ter­ri­tó­rios, jus­tiça e li­ber­dade.

O “Le­vante do Inti Raymi” con­so­lidou o mo­vi­mento in­dí­gena como um su­jeito pro­ta­go­nista das lutas so­ciais equa­to­ri­anas du­rante um pe­ríodo que se pro­longou entre 1990 e 2005, pas­sando da re­sis­tência po­pular ao co­go­verno du­rante uma breve etapa do go­verno de Lucio Gu­ti­errez. Con­ver­tido o mo­vi­mento po­lí­tico de­no­mi­nado Pa­cha­kutik na prin­cipal força de opo­sição ao ajuste es­tru­tural im­ple­men­tado no Equador desde as ins­ti­tui­ções de Bretton Woods, sua par­ti­ci­pação na gestão go­ver­na­mental – o que ini­ci­al­mente foi con­si­de­rado um triunfo – ge­raria uma crise in­terna, da qual o mo­vi­mento in­dí­gena em seu con­junto ainda não foi capaz de le­vantar a ca­beça. Isso fez com que o ce­nário po­lí­tico mu­dasse e ga­nhassem força as de­mandas ci­dadãs, em torno das quais se aglu­ti­naram as classes e se­tores mé­dios ur­banos. Isso pro­pi­ci­aria a “re­volta dos fo­ra­gidos” e a queda do go­verno gu­ti­er­rista em abril de 2005, úl­tima crise go­ver­na­mental vi­vida neste pe­queno país an­dino.

É a partir deste preâm­bulo que fica fac­tível a cons­trução, apenas meses antes do pri­meiro turno das elei­ções pre­si­den­ciais de 2006, de um fenô­meno po­lí­tico novo, que, no en­tanto, foi tre­men­da­mente eficaz nas urnas: a con­for­mação da Ali­ança PAÍS, sob li­de­rança de um jovem pro­fessor uni­ver­si­tário, Ra­fael Correa, cuja ex­pe­ri­ência po­lí­tica era alheia às lutas dos mo­vi­mentos so­ciais lo­cais e cujo único an­te­ce­dente po­lí­tico era ter ocu­pado du­rante quatro meses o cargo de mi­nistro da Eco­nomia do go­verno an­te­rior à sua eleição.   

A dé­cada cor­reísta 

De­pois de sua posse, a 15 de ja­neiro de 2007, o ob­je­tivo do go­verno do pre­si­dente Correa foi abordar um se­gundo pro­cesso de mo­der­ni­zação ca­pi­ta­lista do país, desta vez me­di­ante a reins­ti­tu­ci­o­na­li­zação e forte in­ter­venção do Es­tado, re­cu­pe­rando a ins­ti­tu­ci­o­na­li­dade pú­blica e a re­le­gi­ti­mação do sis­tema de re­pre­sen­tação po­lí­tica ins­ti­tu­ci­onal. Os ideó­logos do cor­reísmo cha­ma­riam isso de cons­trução de uma so­ci­e­dade “pós-ne­o­li­beral”, im­ple­men­tando um pro­cesso de re­formas por fases, que pre­tendia como ob­je­tivo da cons­trução de um se­gundo mo­mento que po­de­ríamos de­finir como “so­ci­a­lismo de mer­cado” (ca­pi­ta­lismo po­pular), para ter­minar em um ter­ceiro es­tágio, que acharam por bem de­finir como “bi­os­so­ci­a­lismo” (uma so­ci­e­dade de au­to­cons­ci­ência im­ple­men­tada sob os prin­cí­pios ci­vi­li­za­tó­rios do “Bem Viver”).

Na prá­tica, e de­pois de mais de dez anos de go­verno do pre­si­dente Ra­fael Correa, po­demos as­se­verar que o pro­cesso não foi capaz de passar de sua pri­meira fase. Seria o pró­prio pre­si­dente Correa quem, com a se­guinte frase, de­fi­niria de forma ade­quada sua gestão frente ao pú­blico: “ba­si­ca­mente, es­tamos fa­zendo me­lhor as coisas com o mesmo mo­delo de acu­mu­lação, antes de mudá-lo, porque não é nosso de­sejo pre­ju­dicar os ricos, mas, sim, é nossa in­tenção ter uma so­ci­e­dade mais justa e equi­ta­tiva” (Diário El Te­le­grafo, 15 de ja­neiro de 2012). 

Ainda assim, che­gado o ano de 2013, o fim do pe­ríodo co­nhe­cido po­pu­lar­mente na Amé­rica La­tina como “a dé­cada dou­rada ou o boom das ma­té­rias-primas”, as po­lí­ticas pú­blicas cor­reístas so­freram uma forte in­vo­lução de­vido à falta de li­quidez econô­mica go­ver­na­mental.

Dentro desta in­vo­lução, des­tacam-se fatos como a am­pli­ação da fron­teira pe­tro­lí­fera, com seu cor­res­pon­dente im­pacto so­cial e am­bi­ental sobre o con­junto de ter­ri­tó­rios ori­gi­ná­rios dos povos e na­ci­o­na­li­dades in­dí­genas an­ces­trais; a en­trega dos campos ma­duros (co­nhe­cidos no mundo pe­tro­leiro como as joias da coroa) a trans­na­ci­o­nais ex­tra­ti­vistas es­tran­geiras; a con­cessão sem li­ci­tação pú­blica de vá­rios portos es­tra­té­gicos do país a grupos de ca­pital es­tran­geiro; o apoio aos grandes do agro­ne­gócio, em de­tri­mento da so­be­rania ali­mentar na­ci­onal; um pro­cesso de fle­xi­bi­li­zação la­boral que per­mite a re­dução das horas de tra­balho das e dos ope­rá­rios(as); a volta da vi­gi­lância sobre a eco­nomia na­ci­onal pelo FMI; assim como o atual pro­cesso em marcha de pri­va­ti­zação de hi­dro­e­lé­tricas, em­presas de gás e ou­tras em­presas pú­blicas que, ini­ci­al­mente, foram res­ga­tadas du­rante a pri­meira fase deste pro­cesso po­lí­tico au­to­de­no­mi­nado pro­pa­gan­dis­ti­ca­mente como “Re­vo­lução Ci­dadã”. 

O cor­reísmo, tal como ou­tros go­vernos pro­gres­sistas da re­gião, ca­rac­te­rizou-se du­rante seus anos de bo­nança econô­mica por im­pul­si­onar po­lí­ticas so­ciais com­pen­sa­tó­rias, que foram a base da nova go­ver­na­bi­li­dade, a par da que exa­cerbou o mo­delo de ex­plo­ração ex­tra­ti­vista de re­cursos na­tu­rais, for­ta­le­cendo um Es­tado que tinha fi­cado re­du­zido à mí­nima ex­pressão du­rante o pe­ríodo ne­o­li­beral. Fo­mentou-se am­pla­mente a cons­trução de obras de in­fra­es­tru­tura no país, na busca de de­sen­volver certa com­pe­ti­vi­dade sis­tê­mica (cri­ação de um en­torno sus­ten­tador que possa con­duzir a um de­sen­vol­vi­mento ace­le­rado, a buscar van­ta­gens com­pe­ti­tivas para o in­ves­ti­mento pri­vado na­ci­onal e es­tran­geiro). 

A gestão cor­reísta du­rante o pe­ríodo de bo­nança econô­mica (a ar­re­ca­dação do Es­tado equa­to­riano entre 2007 e 2015 foi de 221 bi­lhões de dó­lares, o que sig­ni­ficou uma re­ceita média 3,84 vezes su­pe­rior à ar­re­ca­dação ve­ri­fi­cada entre os anos de 2000 e 2006) per­mitiu que a po­breza pela renda se re­du­zisse em torno de 12 pontos, pas­sando o sa­lário bá­sico de 160 dó­lares em 2006 a 340 dó­lares em 2013; também per­mitiu que o Es­tado in­ves­tisse apro­xi­ma­da­mente 13,5 bi­lhões de dó­lares em saúde, im­pul­si­o­nando a cons­trução de hos­pi­tais e ou­tras in­fra­es­tru­turas sa­ni­tá­rias; per­mitiu que em ma­téria de Edu­cação se tenha in­cre­men­tado a taxa de ma­trí­cula em Edu­cação bá­sica de 92% para 96%, sendo seis pontos per­cen­tuais em na po­pu­lação mais pobre; e per­mitiu que o Es­tado tenha in­ter­vindo em 9000 quilô­me­tros de es­tradas du­rante esta dé­cada. 

O cres­ci­mento da renda per ca­pita du­rante re­fe­rido pe­ríodo ativou a “po­pu­la­ri­zação” do sis­tema fi­nan­ceiro pri­vado (fa­ci­li­dade de acesso ao cré­dito para fa­mí­lias hu­mildes a fim de in­cen­tivar o con­sumo), o que con­so­lidou um ca­pital emer­gente que, ao en­focar seus cri­té­rios de ren­ta­bi­li­dade no mer­cado fi­nan­ceiro in­terno, agravou o pro­blema já an­te­ri­or­mente exis­tente, no caso, de con­trole das em­presas mo­no­pó­licas sobre os dis­tintos se­tores do mer­cado na­ci­onal equa­to­riano. 

É assim que a in­ter­venção do Es­tado na di­na­mi­zação da eco­nomia, prin­cipal ca­rac­te­rís­tica do so­ci­a­lismo do sé­culo 21, sig­ni­ficou que o gasto de in­ves­ti­mento pas­sara de 11,4% do Or­ça­mento Geral do Es­tado em 2008 a 20,5% em 2013, en­quanto os grandes grupos econô­micos que operam no mer­cado na­ci­onal in­cre­men­taram em quase 40% suas re­ceitas. Em poucas pa­la­vras, as mai­ores em­presas que operam no mer­cado equa­to­riano ga­nharam du­rante o pe­ríodo pro­gres­sista subs­tan­ci­al­mente mais que du­rante os anos an­te­ri­ores à che­gada do pre­si­dente Ra­fael Correa ao Pa­lácio de Ca­ron­delet. Assim, em 2006, com um PIB de 46,8 bi­lhões de dó­lares, as 300 mai­ores em­presas do Equador en­traram com 20,363 bi­lhões de dó­lares, o que vem a sig­ni­ficar 43,6% do PIB.

Apenas seis anos de­pois, em 2012, e com um PIB de 84,7 bi­lhões de dó­lares (quase o dobro de 2006), as mesmas em­presas en­traram com 39,289 bi­lhões de dó­lares, o que im­plica três pontos per­cen­tuais a mais no PIB na­ci­onal. Mesmo assim, desde que co­me­çara a queda em 2013 dos preços das ma­té­rias primas no mer­cado global, o país en­trou em uma crise econô­mica que é fruto da falta de mu­danças es­tru­tu­rais no âm­bito econô­mico. Três fa­tores ex­ternos (queda do preço do pe­tróleo, apre­ci­ação do dólar e en­ca­re­ci­mento do fi­nan­ci­a­mento ex­terno), so­mados à falta de di­ver­si­fi­cação pro­du­tiva in­terna, aba­laram se­ri­a­mente o país.

O Equador pos­suir uma es­tru­tura pro­du­tiva al­ta­mente de­pen­dente das ex­por­ta­ções de óleo cru e ou­tros bens pri­má­rios, assim como da im­por­tação de pro­dutos ela­bo­rados para seu bom de­sen­vol­vi­mento. Isso fez com que, quando as ex­por­ta­ções pri­má­rias de­cres­ceram, o país tenha vol­tado ao ca­minho do en­di­vi­da­mento ex­terno e que a eco­nomia equa­to­riana tenha se con­traído, em 2015, em 1,7% do PIB.

O cha­mado “so­ci­a­lismo do sé­culo 21” no Equador não foi capaz, por inépcia ou falta de von­tade po­lí­tica, de trans­formar a ma­triz de acu­mu­lação ca­pi­ta­lista her­dada do ne­o­li­be­ra­lismo. Isso im­plica que a es­tru­tura pro­du­tiva na­ci­onal se man­tenha con­cen­trada em poucos grupos econô­micos que exercem seu con­trole sobre os dis­tintos se­tores da eco­nomia na­ci­onal, apesar de serem baixos ge­ra­dores de em­prego. Os pe­quenos em­pre­en­di­mentos que dão em­prego a até 9 pes­soas geram 70% do em­prego na­ci­onal, en­quanto as em­presas que em­pregam de 100 pes­soas em di­ante con­cen­tram ao redor da me­tade das re­ceitas econô­micas do país. O fisco equa­to­riano re­co­nhece a exis­tência de 118 grandes grupos econô­micos que operam no mer­cado na­ci­onal, dos quais 16 con­trolam a maior parte da eco­nomia. As po­lí­ticas fis­cais e pro­du­tivas de­sen­vol­vidas nos úl­timos anos per­mi­tiram uma série de ex­ce­ções fis­cais que de­ter­minam o fato de a pressão fiscal não re­cair sobre as grandes em­presas, ar­re­ca­dando-se dessas apenas 15% do mon­tante do Im­posto de Renda.

De ta­bela, a atual de­te­ri­o­ração da eco­nomia equa­to­riana faz com que os in­di­ca­dores so­ciais po­si­tivos con­quis­tados du­rante grande parte do pe­ríodo cor­reísta no âm­bito da di­mi­nuição da po­breza, a di­mi­nuição do em­prego ou as me­lho­rias em ma­téria de ca­pa­ci­dade aqui­si­tiva da po­pu­lação, se en­con­trem na atu­a­li­dade em franca de­ca­dência. Para ofe­recer apenas um par de exem­plos sobre esta afir­mação: du­rante o exer­cício 2015 se per­deram 340000 postos de tra­balho digno no país, en­quanto que o au­mento do sa­lário bá­sico para 2017 equi­vale a 30 cen­tavos de dólar por dia, o que não dá pra fi­nan­ciar, no acu­mu­lado de uma se­mana, um triste prato de co­mida no re­fei­tório po­pular mais ba­rato da ci­dade de Quito. 

A questão se agrava à me­dida que o au­mento re­la­tivo da ca­pa­ci­dade aqui­si­tiva da po­pu­lação equa­to­riana du­rante a etapa de bo­nança con­duziu a uma po­lí­tica in­terna de de­mo­cra­ti­zação do acesso ao con­sumo, que no fim das contas de­rivou em um forte cres­ci­mento do en­di­vi­da­mento fa­mi­liar. Se­gundo um es­tudo do Co­légio de Eco­no­mistas de Pi­chincha, 41% dos lares equa­to­ri­anos gastam mais do que ga­nham, sendo as pes­soas mais en­di­vi­dadas as que menos renda au­ferem (en­di­vi­da­mento maior entre os po­bres).

É esta nova con­dição econô­mica que atra­vessa o país que fez o cor­reísmo perder le­gi­ti­mi­dade so­cial du­rante os úl­timos três anos do man­dato de Ra­fael Correa. A crise he­gemô­nica ne­o­li­beral não con­duziu o Equador a uma im­ple­men­tação de um mo­delo pós-ne­o­li­beral an­co­rado em um pro­jeto de trans­for­mação so­cial e econô­mica. O cor­reísmo é apenas um exemplo mais de ló­gicas ilu­só­rias ca­pi­ta­listas, que pre­tendem com­binar cres­ci­mento ca­pi­ta­lista su­bor­di­nado e eman­ci­pação so­cial. E com uma grande dose pro­pa­gan­dís­tica de ra­di­ca­li­dade dis­cur­siva.

Atu­al­mente, fica evi­dente que o cons­truído em ma­téria de me­lho­ra­mento dos in­di­ca­dores so­ciais ao longo deste pe­ríodo tem pi­lares de­ma­si­a­da­mente frá­geis. Dita con­dição nos deve fazer re­fletir, aqui e em ou­tros lu­gares, sobre o fato de que não é pos­sível me­lhorar es­tru­tu­ral­mente a si­tu­ação dos mais po­bres sem tocar os pri­vi­lé­gios das elites econô­micas e dos grandes grupos de poder.

A atual dis­puta elei­toral 

O fato de que Ra­fael Correa não es­teja na cé­dula de vo­tação, so­mado à con­dição de de­te­ri­o­ração econô­mica que vive o país, per­mitiu aos se­tores da opo­sição po­lí­tica as­pi­rarem pela pri­meira vez, de forma séria, ga­nhar a pró­xima eleição.  

Mesmo assim, as ri­va­li­dades exis­tentes entre as dis­tintas fa­mí­lias que con­formam o con­ser­va­do­rismo equa­to­riano não lhes per­mitiu de­sen­volver uma es­tra­tégia de uni­dade si­milar à que, em algum mo­mento, de­sen­volveu a opo­sição da Ve­ne­zuela. Isso faz com que existam duas fac­ções en­fren­tadas na di­reita equa­to­riana. Uma en­ca­be­çada por um mag­nata pro­pri­e­tário de um dos prin­ci­pais bancos do país (Guil­lermo Lasso) e outra por uma po­lí­tica da velha di­reita so­cial-cristã (Cynthia Vi­teri).

Cons­ci­entes de que não podem ga­nhar as elei­ções pre­si­den­ciais se­pa­ra­da­mente, o ob­je­tivo de ambos é forçar o se­gundo turno, ten­tando se po­si­ci­onar, cada um deles, como con­tendor final do con­ti­nuísmo go­ver­nista. De se con­se­guir tal ob­je­tivo, se ar­ti­cu­laria uma ali­ança de quase to­ta­li­dade de forças opo­si­toras para apoiar a can­di­da­tura con­ser­va­dora. Apesar do an­te­rior, até agora ambas as fac­ções da di­reita se con­fron­taram di­a­lé­tica e até fi­si­ca­mente, em ce­ná­rios de apa­rição con­junta. Tudo isso apesar de suas pro­postas elei­to­rais serem si­mi­lares e terem como pro­posta a reim­plan­tação do ne­o­li­be­ra­lismo no Equador.

No âm­bito das es­querdas dis­si­dentes do re­gime, se ali­nharam um con­junto de forças opo­si­toras cujo leque abarca po­si­ções ide­o­ló­gicas que vão desde a so­ci­al­de­mo­cracia li­beral (en­car­nada pela re­cons­ti­tuição do par­tido Es­querda De­mo­crá­tica), até múl­ti­plos se­tores que foram pouco a pouco fi­cando ex­cluídos do go­verno cor­reísta, pas­sando pelo pró­prio Pa­cha­kutik e a Uni­dade Po­pular (um re­con­ver­tido e muito re­du­zido par­tido ma­oísta que no pas­sado se chamou Mo­vi­mento De­mo­crá­tico Po­pular). 

Essa ali­ança elei­toral, que na prá­tica ca­rece de ho­mo­ge­nei­dade ide­o­ló­gica e goza de es­cassas ex­pec­ta­tivas de vi­tória, se agrupa em torno da can­di­da­tura do ge­neral Paco Mon­cayo, um velho mi­litar de corte na­ci­o­na­lista que al­cançou a no­to­ri­e­dade em 1995 como co­man­dante em chefe das Forças Ar­madas do Equador em seu con­flito mi­litar com o Peru. Mon­cayo é pre­cursor do que no país se con­ven­ci­onou chamar, em um átimo de ima­gi­nação inu­si­tada, “mi­li­ta­rismo ilus­trado”.

Nos úl­timos dias, as pes­quisas mais sé­rias no país in­dicam que o par­tido do go­verno (Ali­ança PAÍS) baixa pau­la­ti­na­mente sua in­tenção de voto de­vido aos in­ces­santes es­cân­dalos de cor­rupção ins­ti­tu­ci­onal que estão apa­re­cendo quase de forma diária na im­prensa. O de­senho é es­tra­té­gico e sem dú­vida ela­bo­rado por uma opo­sição con­ser­va­dora, que aguarda até a cam­panha elei­toral para, com a cum­pli­ci­dade da mídia pri­vada, po­si­ci­onar uma larga lista de de­pra­vados casos go­ver­na­men­tais que dão luz à de­com­po­sição ética do re­gime.

Essa cam­panha elei­toral se tornou, para a Ali­ança PAÍS, uma es­pécie de cor­rida contra o re­lógio, pois mesmo que se man­tenha como opção pre­fe­ren­cial do elei­to­rado equa­to­riano, sua queda na in­tenção de voto é sus­ten­tada e suas es­tra­té­gias contam os dias que faltam de cam­panha entre as an­gús­tias da po­dridão que se sente ao seu redor. 

Para ga­nhar o pri­meiro turno com maior ab­so­luta, a Ali­ança PAÍS pre­cisa de 40% dos votos va­lidos, com 10% de van­tagem sobre o se­cundo lugar. Dita con­dição co­meça a se co­locar em questão, ainda que o go­verno conte com o apoio de um Con­selho Na­ci­onal Elei­toral (órgão con­dutor da de­mo­cracia do país, mas cuja com­po­sição é in­tei­ra­mente go­ver­nista) e cuja im­par­ci­a­li­dade elei­toral está sob questão. Pa­ra­le­la­mente, o par­tido CREO (Acre­dito) li­de­rado por Guil­lermo Lasso (prin­cipal força opo­si­tora) aposta pela opção es­co­lhida no úl­timo dia por parte deste 30% do elei­to­rado que nas úl­timas elei­ções votou em Correa, mas atu­al­mente se de­fine como in­de­ciso – apesar da al­tura em que nos en­con­tramos na cam­panha elei­toral e de que o voto no  Equador seja obri­ga­tório para os ci­da­dãos entre 18 e 65 anos.

Em todo caso, e mais além da opção po­lí­tica que vença a eleição, o pró­ximo go­verno se verá obri­gado a pro­ceder um plano de ajuste que con­du­zirá à re­dução do in­ves­ti­mento pú­blico e uma re­ne­go­ci­ação dos pa­ga­mentos da dí­vida ex­terna con­traída du­rante os úl­timos anos pelo re­gime. Ade­mais, basta ouvir os dis­cursos dos prin­ci­pais pre­si­den­ciá­veis para en­tender que os planos de­se­nhados para a saída da atual crise re­cairão, com todas as luzes, sobre as costas dos e das tra­ba­lha­doras. 

É es­perar que, com base no an­te­rior, e com um go­verno que já não go­zará de le­gi­ti­mi­dade so­cial e po­lí­tica sobre a qual se sus­tentou nos pri­meiros sete anos de go­verno cor­reísta, exista uma re­com­po­sição do te­cido so­cial equa­to­riano. Será apenas através da mo­bi­li­zação so­cial que se re­em­po­de­rarão os mo­vi­mentos so­ciais equa­to­ri­anos, esses que pro­ta­go­ni­zaram em seu mo­mento as lutas de re­sis­tência ao ne­o­li­be­ra­lismo, per­mi­tindo um acú­mulo his­tó­rico que levou a Ali­ança PAÍS ao poder, e que hoje se sentem frau­dados pela ação de um go­verno que disse re­pre­sentá-los. 


Decio Ma­chado é so­ció­logo e con­sultor po­lí­tico re­si­dente no Equador.
Pu­bli­cado ori­gi­nal­mente em Vi­ento Sur.
Tra­du­zido por Ga­briel Brito, do Cor­reio da Ci­da­dania.

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